O Tribunal de Justiça de Minas de Minas Gerais (TJMG), por meio da Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (Ejef), lançou o livro Adoção - Corações que se abriram para acolher e amar, nesta terça-feira (25/5). O lançamento foi em forma virtual na página da Ejef no YouTube.
A publicação conta com depoimentos de pessoas que tiveram suas vidas transformadas pela acolhida de vínculos afetivos não biológicos. O lançamento foi no mesmo dia em que se celebra o Dia Nacional da Adoção. A publicação ficará disponível em formato eletrônico. Conteúdo inédito
A publicação traz 49 histórias diversificadas e surpreendentes. Participaram magistrados, servidores, advogados, além de profissionais de diversas áreas. Um dos relatos é de um casal residente nos Estados Unidos que adotou mais de 80 crianças. As histórias demonstram que autores são apaixonados pelos filhos que, de certa maneira, escolheram.
Também na publicação é contada a história do Casal Carangolense Dr. José Carlos Morais Júnior e sua esposa Dra Mary Jani.
Confiram esse história:
BILHETE DE LOTERIA
José Carlos Morais Júnior
“Adotar é um ato de amor recíproco.” Letícia Bergallo
Desde a época de namoro, sempre tivemos, eu e minha amada esposa, o firme propósito de adotar uma criança, com a certeza de que o filho assim “gestado” em nada difere do “sanguíneo”, sendo ele igualmente fruto do amor - base sólida e precípua de todas as relações familiares.
Assim, após alguns anos do nascimento de Tiago (nosso primogênito), entendemos ter chegado a hora de colocarmos em prática o sonho antigo e tão almejado. Certo é que nós dois, advogados na comarca de Carangola, já atuávamos, de forma graciosa, em processos de habilitação/adoção, visando, assim, ajudar famílias, e principalmente crianças, na busca mútua da alegria advinda da formação de lares profícuos.
Iniciou-se, então, a “nova gravidez” na família, totalmente diversa daquela primeira, mas igualmente encantadora, com suas nuances próprias, seus percalços, suas angústias e ansiedades. De forma surpreendentemente célere, fomos aprovados no processo de habilitação para a adoção e, em seguida, inscritos no Cadastro Nacional de Adoção, tendo os meses de aguardo sido curtidos ao máximo por todos os parentes e amigos.
Estranheza experimentamos, diante da necessidade da “escolha de perfil” para o adotando. Ora, em nenhuma gestação sanguínea, podem os pais escolher, por exemplo, o sexo da criança, ou se ela nascerá sadia. Também é certo que a criança a ser adotada, em nenhum momento, é indagada acerca de suas “preferências” quanto aos futuros genitores.
Assim, nenhuma limitação foi colocada por nós, seja de particularidades do pretenso adotando (físicas ou mentais), seja relativas ao sexo, à idade, ou mesmo à localização em que fosse se dar a adoção, fato que, certamente, acelerou ainda mais o procedimento. Lembro-me perfeitamente do dia em que recebemos a notícia de que havia sido vinculada uma criança ao nosso cadastro. Iguala-se, perfeitamente, àquele delicioso momento em que você recebe a informação de que “vai ser papai”. Dessa vez, contudo, tínhamos a informação de que o pequeno Caio, com apenas dois aninhos de idade, nos esperava em Icoaraci, na região que compõe a grande cidade de Belém, no longínquo estado do Pará, e que lá deveríamos nos apresentar em, no máximo, uma semana. Nada mais, nada menos que 3.103 quilômetros de distância, até o abrigo onde se encontrava nosso pequeno filho. Proposta imediatamente a ação de adoção, com pedido liminar de guarda, providenciamos, em três dias, a viagem sem data de volta, ante a imprevisibilidade de quando teríamos a autorização judicial para retorno.
Foram dias de apreensão, angústias, aflições, quando nos deparamos, eu e minha esposa, em outro estado da federação, onde nunca tínhamos ido, inseguros ao extremo com tudo. Mas, certamente, nada do que sentimos era, nem minimamente próximo, à insegurança, à aflição, à angústia de um ser, que ainda tão pequeno, já passava por longo período de total abandono, privado desde a mais tenra idade do amor e do afeto familiar, que sabidamente é base para a formação de todo e qualquer ser humano.
Os dias passaram de forma rápida e intensa. Desde o primeiro contato, Caio, - que nome lindo e que tão bem combina com ele, cujo significado é alegre - nos adotou como seus pais, sem indagação ou questionamento, passando, já no primeiro instante, a fazer parte de nossas vidas, de forma irreversível, como se ali sempre tivesse estado.
Foram cinco dias em Belém do Pará, com entrevistas, reuniões, conversas, audiências, até que fomos enfim autorizados a retornar com ele para Carangola/MG, com a guarda deferida para fins de adoção.
Após a longa viagem de retorno, chegamos ao nosso lar, em 24/4/2011, em pleno domingo de páscoa, data mais que emblemática para a “passagem” ocorrida na vida de nossa família. Nosso filho Tiago aguardava ansiosamente a chegada do irmão, afirmando para todos, na sua pueril e fecunda imaginação de criança (com apenas três aninhos), que “papai e mamãe foram buscar meu irmãozinho na floresta”. Novamente prevaleceu o amor puro e próprio dos infantes, sendo certo que ambos se adotaram como amigos, como irmãos, tornando-se companheiros de grande afinidade, cumplicidade e também algumas “divergências”, típicas, como não poderia deixar de ser, das relações fraternas.
E assim Caio assumiu seu lugar na família, tornando-se o “xodó” de todos, passando, logicamente, por momentos difíceis de adaptação, guardando certamente as marcas indeléveis deixadas pelo abandono afetivo, pelo tempo em que foi privado de um lar, de amor, de afeto, de uma família. Contudo, não deixou e não deixa de fazer jus ao seu prenome - mantido mesmo com a adoção - tendo em vista que, de forma inconteste, a “alegria” é sua maior marca!!!
Passado um ano da concessão da guarda, minha esposa recebeu, quando menos esperava, uma ligação telefônica, na qual o magistrado da comarca de Icoaraci a parabenizava, eis que tinha acabado de assinar a adoção definitiva de Caio, como nosso filho.
Mais um dia inesquecível em nossas vidas!
E assim temos, após quase uma década, a felicidade do sucesso que a adoção de Caio representou e representa em nossos lares. Um velho amigo me disse, logo após retornarmos de Belém/PA, que “este menino tinha tirado o bilhete premiado da loteria”. Estava ele enganado. Tenho certeza de que nós, como pais do Caio, fomos os reais contemplados, os verdadeiros felizardos !!!
A vida é efêmera demais para que o ser humano se apegue somente a bens materiais, nesta corrida insana dos dias hodiernos, para produzir ao máximo e buscar incansavelmente o bem-estar, o poder, o dinheiro. Procura-se a felicidade onde ela certamente não está. Precisa-se, urgentemente, de uma nova reflexão, de uma conscientização da sociedade acerca de seu papel e da importância daquilo que realmente vale a pena.
Todo ser humano merece o amor, a alegria e a segurança de uma família estruturada.
Toda criança merece o direito de brincar, de sonhar, de fantasiar.
“E penso que é assim mesmo que a vida se faz: de pedaços de outras gentes que vão se tornando parte da gente também. E a melhor parte é que nunca estaremos prontos, finalizados. Haverá sempre um retalho novo para adicionar à alma.” (Cora Coralina)
Fonte Assessoria de Comunicação Institucional – Ascom Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG